A dieta mediterrânea: pasta ou pastrami*?
Tradução de The Mediterranean Diet: Pasta or Pastrami?, de Sally Fallon e Mary G. Enig, PhD.
Traduzido por Renato Alves.
(*) Pasta é termo que designa, de forma genérica, massas. Pastrami é um tipo de carne defumada. (Nota do Tradutor).
A dieta mediterrânea “é caracterizada por abundância de alimentos de origem vegetal (frutos, verduras, pães, cereais, grãos de leguminosas, castanhas e sementes). Frutas frescas, como sobremesa diária típica, azeite de oliva como a principal fonte de gordura, laticínios (principalmente queijo e iogurte) e carne de peixe e de frango, consumidas em quantias pequenas ou moderadas, de nenhum a quatro ovos semanalmente consumidos, carne vermelha em pequena quantia e vinho, em quantidades pequenas, normalmente às refeições. Esta alimentação contém baixo teor de gordura saturada (menos ou igual a 7 a 8% de energia), com gordura total abrangendo menos de 25% a mais de 35% de energia, ao longo da região” (1).
Isto, de acordo com os ditadores nutricionais, é a alimentação que devemos adotar, para nos protegermos de doenças crônicas, principalmente enfermidades cardíacas.
O autor desta teoria e primeiro a descrever a dieta mediterrânea nestes termos foi Ancel Keys, concebedor da hipótese lipídica, a saber, as doenças cardíacas são causadas pelo “principal vilão alimentar”, a gordura saturada de carnes e laticínios (2). De acordo com Keys, seu primeiro contato com a dieta mediterrânea se deu nos primórdios da década dos anos de 1950, quando ele visitava um professor, em Oxford. Em 1951, ele presidia a primeira conferência do Food and Agriculture Organization of the United Nations, em sua sede, em Roma.
“A conferência foi a respeito de somente carências nutricionais. Quando perguntei sobre a alimentação e a nova epidemia de doenças cardíacas coronárias, Gino Bergami, professor de psicologia, da Universidade de Nápoles, disse que não havia problemas de doenças cardíacas em Nápoles”.
Dr. Keys retornou a Oxford, onde, como professor mal remunerado, ele e sua esposa, a duras penas, viviam em uma casa sem aquecimento e sobreviviam à base de racionamento de comida. Então, ele teve a brilhante idéia de visitar a ensolarada Nápoles, para verificar a afirmação do Professor Bergami. Uma vez lá, descobriu as trattorias e ceava “massa simples e pizza normal”. Keys disse que ataques cardíacos eram, de fato, raros em Nápoles, “exceto entre a pequena classe de ricos, cuja alimentação se diferia daquela da população em geral: eles consumiam carne todos os dias, ao invés de uma vez por semana ou a cada duas semanas”. Sua esposa se espantava, medindo índices de colesterol sérico “e vendo-os muito baixos, exceto entre membros do Rotary Club”. Após esta “rigorosa” pesquisa, Keys estava apto a concluir que “parece haver uma relação entre alimentação, colesterol sérico e doenças cardíacas coronárias”.
“A essência do que atualmente consideramos dieta mediterrânea é prioritariamente vegetariana” – diz ele. “Massas de muitos tipos, folhas de verduras com borrifos de azeite de oliva, todos os tipos de legumes da estação, e, costumeiramente, queijo, terminando com fruta e, freqüentemente, regado a vinho”.
Primeiramente, Dr. Keys obteve apoio inexpressivo para suas teorias. Mas encontrou um ouvinte simpatizante, em 1952, quando apresentou suas idéias a um pequeno público em Nova Iorque, no Hospital Monte Sinai. Fred Epstein foi convencido pelos dados de Keys e começou a divulgar a mensagem “com grande efeito sobre a Europa e a América do Norte”.
Então, Keys publicou seu Seven Countries Study (3), no qual alegava a relação entre taxas altas de doenças cardíacas coronárias e o consumo de gordura saturada em sete países. Foi-lhe possível isto, porque escolheu a dedo países onde doenças cardíacas e consumo de gorduras saturadas eram elevados e porque ignorou países com este mesmo tipo de alimentação, mas onde havia pouca incidência daquelas doenças (4).
Publicada a “pesquisa” de Keys, a dieta mediterrânea, ou, ao menos, o que se pensa ser a dieta mediterrânea, tornou-se diretriz governamental. A USDA imortalizou a carinhosa lembrança que Keys guardava das iguarias das trattorias da ensolarada Nápoles, na forma de uma pirâmide alimentar, assentada em muito pão branco e massas, encimada por uma generosa camada de frutas e verduras. Esta pizza estranhamente moldada recebe, então, um borrifo de azeite de oliva e queijo, uma ou duas anchovas, uma pitada de açúcar e voilà! A solução alimentar para doenças crônicas ferozes.
As doenças crônicas ainda estão devastadoras, não obstante a aceitação mundial da pirâmide alimentar, mas Keys, ao menos, saiu-se muito bem. Em 1993, após Fred Epstein ter dado a palestra-resumo, na celebração internacional do Seven Countries Study, em Fukuoka, Japão, e na quarta Palestra Anual de Ancel Keys, na American Heart Association Convention de 1993, choveram pedidos de entrevistas e consultoria para Keys. “Em maio de 1993, uma equipe de uma revista norte-americana veio em nossa casa, em Minnelea, Minnesota, trazendo um fotógrafo da Califórnia para registrar a cena, enquanto eu falava sobre a dieta mediterrânea”.
Dr. Keys não passa mais os invernos em Minnesota. Ele pode escapar para sua segunda residência, no sul da Itália. Mas se incluem em suas férias em Nápoles alguns momentos tristes, à medida que percebe mudanças lamentáveis na dieta mediterrânea. “Os restaurantes estão cada vez mais populares, mas a comida que servem, geralmente, está longe de ser de padrão mediterrâneo… Tudo é lotado de manteiga ou margarina e carne moída. Servir apenas frutas para sobremesa não é comum, mas, sim, sorvete ou torta. Ao mesmo tempo em que os restaurantes italianos se gabam pela dieta mediterrânea, servem uma caricatura dela”. Keys não nos revela se sua recente prosperidade, que o permite cear em restaurantes com belas toalhas brancas de mesa, ao invés de em cafés à beira da calçada, fê-lo abandonar sua alimentação monástica, constituída de “folhas borrifadas com azeite de oliva” e frutas frescas. Realmente, deve ser desgastante observar banquetes italianos sofisticados com tamanhas caricaturas, como massa al Fredo, vitela scallopini e prosciutto, principalmente a alguém que fez votos rígidos de sacerdócio alimentar.
Mas a vida de um missionário nunca é fácil. Não! É uma estrada solitária, repleta de frustrações. Imagine o exame de consciência até o tardar da noite de Dr. Perez-Llamas e seus colegas que se ergueram para estudar os padrões de alimentação de um grupo de adolescentes da região de Murcia, no sudeste da Espanha (5). Os jovens mediterrâneos estavam consumindo uma “alimentação equilibrada”, com muitas verduras e frutas? De jeito nenhum. A juventude desobediente estava consumindo, na maior parte das vezes, salsicha! “Os resultados mostraram um consumo muito baixo de verduras, algumas deficiências na ingestão de leite e frutas e uma ingestão excessiva de gorduras… enquanto a ingestão de carne de peixe se mostrou insuficiente em nosso estudo”.
Desencantado da vida, Dr. Perez-Llamas lamentou: “o estudo revela que, embora Murcia seja uma região tipicamente mediterrânea, as características da alimentação de seus adolescentes são bem diferentes, no que concerne aos hábitos alimentares típicos da alimentação mediterrânea”.
Dr. Perez-Llamas propôs remediar estes pecados alimentares com uma versão moderna da inquisição espanhola: “… foram dados conselhos nutricionais a mães e adolescentes. O uso das porções espanholas de seis grupos alimentares básicos provou ser um método muito útil para popularização dos princípios de alimentação equilibrada em nossa população”.
Outro grupo de sacerdotes nutricionais, chefiado por Dr. Alberti-Fidanza, realizou uma peregrinação, em 1994, para estudar anciãos italianos das áreas rurais de Crevalcore e Montegiorgio, dois dos distritos que Keys incluíra no Seven Countries Study (6). Mas a geração mais antiga havia se desencaminhado! Não mais praticava o puritanismo alimentar que Keys alegou ter observado décadas anteriores. “Nas duas áreas, especialmente em Montegiorgio, as pessoas estavam abandonando a dieta mediterrânea tradicional”.
A questão que os crentes não perguntaram a si mesmos: A assim chamada dieta magra, mediterrânea, observada após a guerra, era a verdadeira dieta mediterrânea? Ou estavam observando o finalzinho da privação, ocasionada por meia década de conflito? Os habitantes de Crevalcore e Montegiorgio estavam abandonando a dieta mediterrânea ou a estavam retomando? Keys não notou os italianos se deliciando com alimentos encorpados, no início da década dos anos de 1950, porque os italianos nunca fizeram tamanha coisa vergonhosa, ou era ele um professor muito pobre, naquela época, para pagar algo além do que pizza normal, em um café à calçada
Recipes of All Nations (7) foi publicado em 1935, quase duas décadas antes da nova religião alimentar ter sido proclamada para o sofrimento de milhões. Considere a descrição da comida em Sardenha. Certamente, os grãos fazem parte de sua alimentação, consumidos como pão, massa ou polenta, mas das maneiras mais interessantes. “Uma de nossas formas preferidas de preparar macarrão é cozinhá-lo ou em banha de carneiro ou de porco… com pequenos pedaços de carneiro ou porco, tomates picados, alho picado e coalhada, misturados com um pouco de água e sal e umedecido com um pouco de animal de caça, se disponível”. O nhoque é condimentado com açafrão e “servido com molho de tomate ou de carne e queijo feito de ovelha”. A polenta branda é realçada com “porco salgado picado, pequenos pedaços de salsicha e queijo ralado”. La favata é feito com “pedaços de porco salgado, cortado em nacos grandes, pernil, salsichas caseiras especiais, um punhado de feijões secos, funcho selvagem e outras ervas com um pouco de água”.
Até agora, nada com baixo teor de gordura. Mas, talvez, Keys e sua comitiva estavam “certos” em dizer que a carne é parcamente consumida na região mediterrânea. Leia: “Os sardenses são grandes consumidores de carne, mas seus métodos de cozer vários tipos de carne são, na verdade, simples, quase primitivos”. Da mesma forma como a maioria dos italianos, os sardenses preferem cordeiros jovens, cabritos ou leitões, geralmente assados em uma fogueira. “A carne é, por fim, dourada, regando-a continuamente com gordura quente…”. Os leitões são “tão tenros que mesmo a pele, orelhas e todo o resto podem ser comidos.”
A dieta da Córsega “de forma alguma, foi sujeitada a influência externa…”. Sem novo catecismo, sem evangelistas alimentares por lá. Assim, os córsegos podem desfrutar do seguinte, sem culpa: Todo tipo de peixe, incluindo pequenas lagostas, choco e marisco; pasta de anchova com figos; bacalhau salgado desidratado; bife dourado em banha; tiras de filé de cabra, salgado e seco ao sol; castanhas misturadas com polenta e nata, servidas com diferentes tipos de carne ou morcela.
Uma bela enciclopédia nova de alimentos tradicionais, You Eat What You Are (8), também fornece uma visão um tanto diferente da culinária italiana do que a proclamada pelo evangelho segundo Ancel Keys. A autora Thelma Barer-Stein observa que a manteiga é uma gordura muito utilizada para cozimento na parte norte da Itália; banha, na região central; e azeite de oliva, na sul. Mas a carne de porco é consumida ao longo de toda a península, geralmente na forma de salsichas, que todo mundo, menos um professor visitante norte-americano pode perceber, é indispensável na cozinha italiana. Salame, bolonha e zamponi: não haveria culinária italiana, sem estes itens. A salsicha é uma forma de se fazer as vísceras tornarem-se deliciosas, como em pezzante, uma especialidade italiana feita de tendões, fígados e pulmões. Os cozinheiros usam muito pancetta (bacon estilo italiano), e as crianças adoram torresmos crocantes de pele de porco, chamados fritolli, ricos em vitamina D.
Judeus residentes na Itália faziam salsicha e frios, mas não usavam carne de porco. Em seu livro The Classic Cuisine of the Italian Jews (9), a autora Edda Servi Machlin lembra-se da carne secca (carne salgada desidratada) de seus pais e da salsicce de minao (salsicha de carne bovina). “Ambos os pratos eram conhecidos e apreciados entre as comunidades por toda a Itália”. Estes alimentos eram feitos no final de inverno e pendurados em “uma janela aberta, na direção norte” por quatro a seis semanas ao ar seco. Eram outras especialidades a lingua salmistrata (língua bovina em salmoura), o odor que poderia “ressuscitar os mortos”, e o salame d’oca (salsicha de ganso) (Vide Recurso Alimentar, p. 48.) Todas estas carnes eram fermentadas e consumidas cruas.
Em relação a ovos, relata Machlin: “Os ovos sempre se figuraram entre os alimentos altamente nutritivos mais baratos. Para nós, não foram apenas básicos, mas um remédio universal para muitas enfermidades, reais e imaginárias, assim como as vitaminas o são, para muitas pessoas, atualmente. Para serem totalmente eficientes, devem ser ingeridos crus e muito frescos. Na verdade, aquecidos diretamente do no ninho da galinha. Desta forma, naturalmente, toda família tinha um pequeno galinheiro no pomar”.
A Itália produz tantos tipos de queijos quanto a França, incluindo dois dos melhores: parmesão e gorgonzola, ambos cheios de gordura e muito cremosos. Os queijos italianos guarnecem mais do que pizza. São usados em recheios, pratos de legumes, saladas e sanduíches. Um favorito é a mozarella, cortado em cubos e feitos à parmegiana.
Os italianos são mestres em preparar todo tipo de carne: de molejas a articulações ósseas. Carnes magras recebem um molho cremoso ou recheio de presunto e queijo ricota.
Peixes e mariscos de todos os tipos são usados em pratos com frutos do mar, sopas e guisados de peixe. Os ditadores nutricionais, envaidecidos com o sucesso de sua pirâmide alimentar, parecerem ter perdido o êxtase do calamari à parmegiana, bem frito e servido amontoado nos pratos: um prato leve, saudável, desde que feito com as gorduras tradicionais, não com os óleos vegetais parcialmente hidrogenados, usados para fritura. Em Nápoles, onde Keys ouvira que são raras as doenças cardíacas, pratos leves de frutos do mar frescos são tão populares quanto pizzas, e pequenos recipientes de ostras são devorados na hora.
Certamente, os italianos adoram suas verduras, porque fazem-na ficar muito gostosa. Eles sabem que saladas são mais gostosas com um bom molho de vinagre envelhecido e azeite de oliva. E flores cozidas, untadas com manteiga, banha ou nata.
Os italianos não começam geralmente o dia com ovos, mas os preparam para comê-los posteriormente. Os ovos são usados em molhos encorpados e cremes, como o zabaglione. As sopas são comumente servidas com ovos escalfados.
E quanto ao sorvete? É algo novo à alimentação italiana, uma caricatura norte-ameriana? Não muito. “As primeiras sorveterias ou gelaterias foram abertas na Tocana, nos anos de 1500, mas acredita-se que os italianos do sul são responsáveis pela popularidade do sorvete na América do Norte”. E ninguém usa sorvete com maior inventividade do que os italianos, desde o spumone de Nápolis à cassata, um bolo de sorvete decorativo, ao semifreddi, “um tipo de sorvete levemente espumante que apresenta diversos sabores”. É verdade que os italianos, às vezes, consomem sorvete com frutas frescas.
Está “claro” a todos que viajaram para a Itália ou comeram em um restaurante italiano que os italianos apóstastas perverteram o paganismo alimentar de seus ancestrais… Tá bom… como se, em alguma vez, tivessem deixado de o praticarem. Assim, nutricionistas ortodoxos recentemente consagraram a alimentação grega como a mais virtuosa das cozinhas mediterrâneas politicamente corretas, descrita como constituída, principalmente, de azeite de oliva, pão e tomates.
Rosemary Barron administrou uma escola culinária em Creta, de 1980 a 1984, e passou muitos meses vivendo lá, já em 1963, quando participou de uma escavação arqueológica. Em 1991, ela publicou Flavors of Greece, recebendo um prêmio “Editor’s Choice” da seção literária do jornal New York Times.
É verdade, ela relata, que os gregos consumiam muito pão. Na área mais ao interior do país, o pão da família ainda é geralmente feito com farinha moída na pedra e em fornos à lenha. O pão branco é encontrado em lojas, mas ainda existe uma tradição muito longa de muita variedade de pães integrais, incluindo um pão de forma do pastor, feito com farelo de trigo, de aveia e farinha de trigo integral. Muitos pães são duplamente assados como roscas, normalmente consumidos no café-da-manhã.
Rosemary estima que o cretenses consomem diversos quilos de queijo por semana, fornecendo certa de 600 calorias de gordura por dia, ou 25% das calorias em uma alimentação de 2400 calorias, vindas apenas de queijo. Uma vez que a gordura do queijo de leite de cabra é quase 70% saturada, um queijo de 230g por dia proveria cerca de 18% de calorias na forma de gordura saturada, mais do que o dobro daquele “vilão alimentar”, conforme sancionado pelos sacerdotes nutricionais.
Outras fontes de gordura saturada são iogurte, leite e pequenas quantias de manteiga, usada em doces. O azeite de oliva é a gordura preferida para cozimento e saladas. É usada generosamente, fornecendo muitas calorias de gordura, incluindo algumas na forma de gordura saturada.
E ainda há muita gordura saturada da carne, na alimentação cretense. Carneio ou cabrito é comido na primavera; e cabra, ao longo do ano. Costeletas ou assado de porco são consumidos regularmente, e galinhas e galos velhos são servidos, cozidos em água. A carne mais comum de todas é a selvagem de pássaros da estação, coelho e lebre. São populares pequenos pássaros grelhados e enrolados em folhas de videira. Salsichas finas defumadas servem como aperitivo e guarnição.
O consumo médio de ovos está em torno de dez por semana, usados como ingredientes em omeletes, bolos, pratos condimentados e o avgolemono, um molho de ovo e limão. Rosemary lembra-se de sua surpresa ao quebrar seu primeiro ovo cretense: a gema era laranja brilhante, tão brilhante que os ovos mexidos que ela fez com eles também ficaram laranjas.
Os cretenses gostam de comidas inusitadas, como caracóis e carnes de órgãos (rins, fígados e baço). Ovas de peixe são consideradas iguaria e podem ser usadas em pequenos bolos ou fritas em óleo, ou na taramosalata, uma massa servida como aperitivo.
Os residentes próximos à costa consomem frutos do mar frescos todos os dias, incluindo mariscos, ouriços-do-mar, polvos, calamares e lulas. Até recentemente, o único meio de transporte era o burro, e não havia refrigeradores. Isto significa que, a não ser que você vivesse nas costas, você raramente comia frutos do mar. Os cretenses tinham diversos métodos para preservar o peixe, salgando ou defumando, e de criar molhos odoríferos de peixe em apodrecimento. Pequenos peixes eram colocados em jarros de barro e cobertos com ervas e azeite de oliva. Então, os burros carregavam estes “olhe o peixe pelo caminho” ao interior da região.
Todos esses alimentos de origem animal, incluindo as gemas laranjas de ovos, são excelentes fontes de vitaminas A e D, as vitaminas lipossolúveis que Weston Price descobriu serem vitais para boa aparência e saúde vigorosa. Quando alimentos ricos nestes ativadores lipossolúveis são abandonados, as gerações seguintes apresentam rostos mais estreitos, mais cáries dentárias e mais doenças. São menos atraentes e menos fortes. A presença de quantias adequadas de vitaminas A e D na alimentação cretense é provavelmente o que protege as populações ao longo do Mediterrâneo da grande quantidade de pão ou massa e uso freqüente de doces.
Cozinhar é simples em Creta e ao longo da maior parte da Grécia. Ao invés de preparar caldo de carne ou mocotó, os cretenses cozinham a carne e o peixe com os ossos. De fato, tradicionalmente, nenhuma carne ou peixe eram vendidos sem ossos, uma vez que os ossos são uma prova do frescor.
Ainda nos dias de hoje, a maioria dos alimentos em Creta é cozido em fornos públicos. Portanto, a refeição típica é preparada em uma caçarola rasa que pode ser carregada para os fornos. Bons peixes e cortes tenros de carne são preparados em grelhas ao ar livre.
Vegetais frescos maravilhosos, incluindo alcachofra e berinjela, frutas deliciosas, amêndoas, pistaches, lentilhas e grãos-de-bico contribuem para esta culinária mediterrânea saborosa. A bebida preferida é o vinho caseiro.
A principal refeição na maior parte da Grécia é o almoço, consumido em casa e constituído de um prato principal, geralmente um cozido ou uma caçarola contendo carne, junto com legumes, salada, pão e queijo. Então, tudo se fecha, até às 5 PM. O jantar é tarde para nossos padrões, precedido por algumas horas de mezedes (petiscos), consumidos em um café ou em casa, com uma bebida. Os mezedes podem ser pequenas quantias de pepino, tomate, queijo, azeitonas, frutos do mar ou fatias de salsicha. Em uma cena típica de um vilarejo, os homens se sentam em cafés por algumas horas e as mulheres se sentam na área externa de suas casas, conversando umas com as outras. Então, os homens vão para a casa, para jantarem por volta das 10 PM. Sobremesas como sorvete e massas doces são consumidos em cafés, quando a família sai a passeio, nos dias de festas.
A União Euroéia é um solo fértil de zelotes do puritanismo alimentar, de forma que os gregos estão sendo pressionados a se encaixarem no esquema. Não se podem mais longos almoços e canapés demorados. A Grécia tem que seguir as mesmas horas do resto da Europa e comer as mesmas comidas, como os queijos industrializados com padrão de baixo teor em gordura, pão branco, carne magra embalada sem os ossos, produtos alimentícios comerciais assados à base de óleos vegetais e refrigerantes. Isto sim é a real caricatura da dieta mediterrânea moderna, sem alimentos ricos em gorduras animais, e este lixo é bem mais fácil de ser vendido, quando médicos dizem que isso é melhor para sua saúde do que os alimentos tradicionais de seus ancestrais.
As pessoas da Grécia desfruam de uma das maiores longevidades do mundo, mas esta talvez não dure, se elas adotarem a versão do professor universitário norte-americano da dieta mediterrânea, a qual dita a tendência para alimentos processados.
“Infelizmente” – escreve Keys, “as mudanças atuais nos países mediterrâneos tendem a destruir as virtudes de saúde da dieta, conforme chegamos a conhecê-las, quarenta anos atrás. São necessários esforços para reverterem-se estas mudanças. A educação é importante. Devemos nos concentrar na profissão médica e nas escolas. Não é suficiente que médicos meçam o colesterol sérico e digam aos pacientes com índice elevado para evitarem manteiga e carne rica em gordura. Eles também devem enfatizar a prevenção, mirando o público em geral”.
Isso significa mais palestras nas vilas às costas do mar. A segunda convenção anual, relata Key, foi realizada em Pioppi, um vilarejo da costa mediterrânea, “cerca de quatro quilômetros de nossa casa na Itália”. Patrocinada pela International Society and Federation of Cardiology, estes refúgios atraíram “em torno de 800 médicos em 30 cidades, de 22 países.” Ó! Quanto sacrifício feito, em nome da ciência!
E o que este Colegiado de Cardiologistas consome, quando reunido em seu retiro italiano? Os médicos instruídos se restringem a massa simples e carne magra? Petiscam limões e verduras, na terra do spumone?
O maior dos sete pecados capitais não é a glutonaria, mas o orgulho. Orgulho tão cegante que presume impor sua própria patologia a uma população inteira, começando com as crianças. “Durante estas palestras” – diz Keys, “salientamos o tipo mediterrâneo de dieta e seu papel útil no controle da concentração de colesterol sérico e redução do risco associado de doenças coronárias… Acredito isto seja importante levar a mensagem da dieta às crianças em fase escolar… Nosso desafio é vislumbrar como fazer as crianças dizer a seus pais que elas devem comer como os mediterrâneos o fazem. Ao menos, devemos auxiliar as crianças a se livrarem de algumas concepções sem sentido e convencê-las de que carne e laticínios encorpados não tornarão os meninos mais fortes; e as meninas, mais bonitas”. (10)
Comentário de um leitor: “Uma falsificação”
A assim chamada “dieta mediterrânea” é uma falsificação norte-americana, pelo simples motivo de que, na Itália, sem mencionar a região inteira mediterrânea, as pessoas se alimentam de formas diferentes, embora exista, historicamente falando, algo como uma dieta italiana. Eis a história: no final do século XIX, a Itália acabara de ser unificada em uma nação nascente. Naquela época, Pellegrino Artusi escrevera um livro intitulado The Science in the Kitchen and the Art of Eating Well. Era uma coletânea de receitas tradicionais da Toscana e Emilia-Romagna (no que diz respeito a comida, Emilia está para a Itália, assim como a Borgonha está para a França) e se tornou o segundo livro mais vendido na Itália (sendo o primeiro a Bíblia). De fato, é mencionado em um livro escolar do colegial, History of Italian Literature, e, por um bom motivo, é responsável pela difusão de uma língua comum na classe média da nova nação. Ele permaneceu a bíblia da comida italiana para a classe média, até as décadas dos anos 70 e 80, quando a fissura por baixo teor de gordura invadiu as cozinhas. Lembro que foi a época em que realmente começamos a consumir massas e pães.
O livro de Artusi é a antítese do que hoje é chamada dieta mediterrânea: por exemplo, em uma receita para café-da-manhã, vão ovos, manteiga, anchovas, alcaparras e atum. Artusi salienta o uso de gordura de origem animal e carne. Com efeito, o livro começa com uma classificação do poder nutritivo de diferentes tipos de carne, com a carne bovina ao topo da lista. Existe uma seção a respeito de massas na que Artusi adverte crianças, idosos e gestantes ou mulheres que amamentam sobre o consumo de massa, “porque seria desviar-se do consumo de alimentos mais ricos em nutrientes, como carne ou peixe…” e avisa: “pessoas com tendência à obesidade” para se absterem de seu consumo, “porque todo médico sabe que a farinha não possui poder nutritivo e se converte imediatamente em gordura corporal”.
Os produtos italianos mais famosos são à base animal: 400 tipos de queijos tradicionais (à maioria dos quais se exige pelas leis de controle de pureza que sejam feitos de leite cru, como o Parmigiano Reggiano) e centenas de frios (prosciutto crudo, prosciutto cotto, salame, coppa, pancetta, mortadella dentre outros).
Durante a década dos anos de 1950 (quando Ancel Keys visitou a Itália e iniciou os mitos da dieta mediterrânea), muitas pessoas enfrentavam dificuldade para comprar carne, principalmente na região sul. Mas isto certamente não era considerado algo bom. De fato, a maior parte das famílias que não conseguia comprar carne tentava, assim mesmo, obter pequenos pedaços dela, ao menos, uma vez por semana, para alimentar as crianças. Meu avô, que lutara na Segunda Guerra Mundial, disse-me algumas vezes: “Pare de reclamar de comida. Você pode comer carne duas vezes ao dia. Você não faz idéia da sorte que tem. Em sua idade, eu conheci o que era fome de verdade”. Os mais velhos, que viveram no tempo do fascismo, guerra, ocupação alemã e viram suas cidades destruídas pelos bombardeios anglo-saxões freqüentemente falam daquela maneira para a geração mais nova.
Por fim, em um jornal local de uma cidade ao norte da Itália de onde eu venho, existe uma página histórica, do tipo “como éramos”. Poucos meses atrás, publicaram-se os seguintes documentos de seus arquivos: no início da década dos anos de 1920, o preço dos alimentos estava aumentando. Um grupo de “esposas de classe média” escreveu às autoridades, pedindo a criação de um comitê para controle dos preços. Também foi escrita uma lista dos bons produtos alimentícios essenciais, cujos preços deveriam ser mantidos sob controle, em ordem de importância. O mais importante foi “manteiga de primeira qualidade”. Em seguida, “manteiga de segunda qualidade”. Daí, banha. Azeite de oliva. A lista de carnes e frios. Não há menção a pão ou massa na lista. Muito diferente da assim chamada “dieta mediterrânea”.
Cristiano Nisoli
Universidade Park, Pensilvânia
Referências:
(1) W C Willett, et al, “Mediterranean diet pyramid: a cultural model for healthy eating,” American Journal of Clinical Nutrition June 1995 61(6S):1402S-1406S
(2) Ancel Keys, “Mediterranean diet and public health: personal reflections,” American Journal of Clinical Nutrition 1995 61(suppl):1321S-1323S
(3) Ancel Keys, “Doenças cardíacas coronárias in seven countries,” Circulation, 1970 41, (Suppl.1)
(4) The statistician Russell H. Smith had this to say about the Seven Countries Study: The word “landmark” has often been used. . . to describe Ancel Keys’ Seven Countries study, commonly cited as proof that the American diet is atherogenic. . . . the dietary assessment methodology was highly inconsistent across cohorts and thoroughly suspect. In addition, careful examination of the death rates and associations between diet and death rates reveal a massive set of inconsistencies and contradictions. . . It is almost inconceivable that the Seven Countries study was performed with such scientific abandon. It is also dumbfounding how the NHLBI/AHA alliance ignored such sloppiness in their many “rave reviews” of the study. . . In summary, the diet-CHD relationship reported for the Seven Countries study cannot be taken seriously by the objective and critical scientist.” Diet, Blood Cholesterol and Coronary heart disease: A Critical Review of the Literature, Volume 2, November 1981 pages 4-47 – 4-49
(5) F Perez-Llamas, et al, “Estimates of food intake and dietary habits in a random sample of adolescents in southeast Spain,” Journal of Human Nutrition and Diet, December 1996 9:(6):463-471
(6) A Alberti-Fidanza, et al, “Dietary studies on two rural Italian population groups of the Seven Countries Study. 1. Food and nutrient intake at the thirty-first year follow-up in 1991,” European Journal of Clinical Nutrition February 1994 48(2)85-91
(7) Recipes of All Nations, Wm H. Wise & Co, New York, 1935, pages 779-781
(8) Thelma Barer-Stein, PhD, You Eat What You Are: People, Culture and Food Traditions, Firefly Books, Willowdale, Ontario, Canada 1999
(9) Edda Servi Machlin, The Classic Cuisine of Italian Jews, Dodd, Mead and Company, New York, 1981, pages 83-87
(10) Keys, op cit, 1995
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